Das cuecas de Saddam<br>ao património cultural mundial
Imagens violentas do Iraque aparecem todos os dias na televisão, nos jornais, nas rádios. Aparecem todos os dias mas não aparecem todas. Maioritárias são as imagens de acções da resistência iraquiana, tão esmagadoramente maioritárias que quase se poderia julgar que as tropas norte-americanas e seus aliados estariam, de moto próprio, confinadas aos quartéis, só intervindo em acções de autodefesa, numa extensão do argumentário que justificou e justifica a invasão daquele país que, apesar e contra todas as evidências, continua a ser apresentada como uma necessidade de defesa da civilização ocidental, ameaçada por armas de destruição maciça físicas que se metamorfosearam em morais. Por vezes há notícia de acções de “limpeza” feitas pelos exércitos da coligação onde são “limpos” umas centenas de “terroristas”. As imagens que ilustram essas acções são bastante detergentadas. Mais parecem exercícios do que acções militares. São o suficiente alertar para a extrema violência que grassa naquele país a ferro e fogo. O alerta aumenta quando, por entre as malhas férreas da censura, escapam imagens das humilhações exercidas sobre os prisioneiros. O que se vai vendo, mostra que esse tipo de prisões, no Iraque antes, durante e depois Saddam, na Alemanha hitleriana, em Guantanamo, no Portugal salazarista – marcelista, são um género de teatro da crueldade onde os torcionários usam os mais variados instrumentos, materiais e imateriais, para destruir a auto-estima de cada prisioneiro fazendo-o perder confiança em si, nos seus companheiros e nos princípios que o fazem actuar. As amostras, bem doseadas, a que temos tido acesso demonstram que os norte-americanos aprenderam as lições do passado, evoluíram e já têm lições para dar.
Embora com muito maior visibilidade, o vórtice das brutalidades não é um exclusivo do Médio – Oriente, acontecem por todo o mundo. Vão das formas mais extremadas, guerra e ocupação militar, às mais aveludadas, guerras jurídicas aos direitos conquistados em séculos de luta pelas massas populares. Decorrem do que é traçado nos mapas dos planos geo-estratégicos de dominação e sobrevivência do império, a olhar inquieto para os seus pés de barro.
Uma das componentes desses planos geo-estratégicos é a dominação cultural. Não é campo de acção prioritário, nem é o mais perceptível. A longo prazo é dos mais eficazes e consistentes. Também aqui os planos de actuação são múltiplos e diversificados. Mostrar Saddam Hussein em cuecas é maneira de mostrar aos árabes e aos iraquianos em particular, mesmo àqueles que foram vítimas do ditador quando era amigo americano, e ao mundo em geral, a sua inferioridade perante o Rato Mickey e a Coca-Cola. Meter o Alcorão na sanita, é maneira de explicar de modo rápido e preciso a todas as outras religiões, incluindo importantes segmentos cristãos, que o único Deus que existe e é grande, é o que abençoa os dólares do capitalismo predador.
Entretanto, enquanto vemos carros armadilhados e os sorrisos agrafados de Condolezza Rice, vão-se esbatendo na memória as imagens da pilhagem do Museu de Bagdad perante a indiferença da soldadesca norte-americana que guardava, de faca nos dentes, o vizinho Ministério do Petróleo, dos bombardeamentos de monumentos únicos na história mundial, da betonagem da cidade de Eridu para construir uma base aérea norte-americana, da vandalização de sítios arqueológicos, etc., etc. São escassas as imagens e os relatos, mas o conhecimento disperso que se adquire é suficiente para produzir a maior das inquietações.
São inúmeros os monumentos destruídos ou gravemente danificados. São milhares as peças, património da humanidade e do povo iraquiano, desaparecidas na sombra dos corredores das redes de tráfico internacional de objectos de arte, obviamente protegidas pelo governo norte-americano.
É a memória, o património e a identidade de um povo, é a memória, o património e a identidade da história mundial que estão à mercê da barbárie. Continuar a destruir e a pilhar o património cultural iraquiano é destruir e pilhar o património cultural do mundo. São poucas as notícias sobre o que de facto está a acontecer. É legitimo supor que o pior fundamentalismo judaico – cristão pode sentir-se tentado a vingar-se da Babilónia. No Líbano, as tropas israelitas, comandadas por Ariel Sharon, não são só responsáveis pelos massacres de Shabra e Chatilla, procederam também à destruição sistemática de lugares arqueológicos.
É urgente saber qual é a verdadeira dimensão dessa catástrofe. A história da civilização está em risco de ser amputada.
Embora com muito maior visibilidade, o vórtice das brutalidades não é um exclusivo do Médio – Oriente, acontecem por todo o mundo. Vão das formas mais extremadas, guerra e ocupação militar, às mais aveludadas, guerras jurídicas aos direitos conquistados em séculos de luta pelas massas populares. Decorrem do que é traçado nos mapas dos planos geo-estratégicos de dominação e sobrevivência do império, a olhar inquieto para os seus pés de barro.
Uma das componentes desses planos geo-estratégicos é a dominação cultural. Não é campo de acção prioritário, nem é o mais perceptível. A longo prazo é dos mais eficazes e consistentes. Também aqui os planos de actuação são múltiplos e diversificados. Mostrar Saddam Hussein em cuecas é maneira de mostrar aos árabes e aos iraquianos em particular, mesmo àqueles que foram vítimas do ditador quando era amigo americano, e ao mundo em geral, a sua inferioridade perante o Rato Mickey e a Coca-Cola. Meter o Alcorão na sanita, é maneira de explicar de modo rápido e preciso a todas as outras religiões, incluindo importantes segmentos cristãos, que o único Deus que existe e é grande, é o que abençoa os dólares do capitalismo predador.
Entretanto, enquanto vemos carros armadilhados e os sorrisos agrafados de Condolezza Rice, vão-se esbatendo na memória as imagens da pilhagem do Museu de Bagdad perante a indiferença da soldadesca norte-americana que guardava, de faca nos dentes, o vizinho Ministério do Petróleo, dos bombardeamentos de monumentos únicos na história mundial, da betonagem da cidade de Eridu para construir uma base aérea norte-americana, da vandalização de sítios arqueológicos, etc., etc. São escassas as imagens e os relatos, mas o conhecimento disperso que se adquire é suficiente para produzir a maior das inquietações.
São inúmeros os monumentos destruídos ou gravemente danificados. São milhares as peças, património da humanidade e do povo iraquiano, desaparecidas na sombra dos corredores das redes de tráfico internacional de objectos de arte, obviamente protegidas pelo governo norte-americano.
É a memória, o património e a identidade de um povo, é a memória, o património e a identidade da história mundial que estão à mercê da barbárie. Continuar a destruir e a pilhar o património cultural iraquiano é destruir e pilhar o património cultural do mundo. São poucas as notícias sobre o que de facto está a acontecer. É legitimo supor que o pior fundamentalismo judaico – cristão pode sentir-se tentado a vingar-se da Babilónia. No Líbano, as tropas israelitas, comandadas por Ariel Sharon, não são só responsáveis pelos massacres de Shabra e Chatilla, procederam também à destruição sistemática de lugares arqueológicos.
É urgente saber qual é a verdadeira dimensão dessa catástrofe. A história da civilização está em risco de ser amputada.